Os projetos urbanísticos se tornam eficientes à medida que deixam de ser uma mera intervenção estética e passam a resolver problemas complexos. O embelezamento das cidades por si só certamente tem um grande valor, mas o verdadeiro propósito do urbanismo reside na capacidade de “dar roupas elegantes” a soluções duras. Esse valor foi muito bem materializado no recente projeto do Parque Rachel de Queiroz, da Architectus S/S, em Fortaleza (CE).
O terreno do parque consiste em uma área inundável de quase 91.000m², situada na zona oeste de Fortaleza, conhecida por abrigar bairros populares que sofreram com o aumento exponencial da população. A explosão populacional não planejada é uma característica marcante da urbanização brasileira e sempre culmina em externalidades custosas ao meio ambiente e à qualidade de vida. A área do Parque Rachel, por exemplo, era marcada pelo depósito de lixo e pelo lançamento de esgoto clandestinos que poluíam o rio Cachoeirinha na altura em que este cruzava a região. Além disso, a área sofria com frequentes alagamentos, resultado do processo de impermeabilização do solo que veio junto com a urbanização.
Considerando o forte componente hídrico que parecia ser um traço inerente à “personalidade” do terreno, o projeto teve a drenagem como seu eixo estruturante. As nove lagoas presentes no parque se misturam às áreas verdes em uma espécie de mosaico, interligado por vários caminhos pedonais. Permeando esses espaços, estão espalhadas infraestruturas para diversas atividades esportivas e de convívio, como quadras, campos, playgrounds, pistas de cooper, ciclofaixas, espaços saúde e alongamento, espaços de leitura, cachorródromo, anfiteatro e skateparks.
O ponto chave da estrutura é que as lagoas, para além do componente paisagístico, funcionam também como um sistema de amortecimento de cheias e tratamento de efluentes. Projetados em sistema de wetlands, esses reservatórios retêm a poluição que chega ao rio Cachoeirinha através da fitorremediação, uma técnica natural de descontaminação que se baseia na degradação de poluentes através de plantas e microrganismos.
Com a implementação do Parque, o terreno que corta oito bairros e antes era motivo de preocupação para seus residentes, hoje funciona como um dos principais pontos de convivência e lazer da região. Quando se chega ao local, a cena característica é ver pessoas se apropriando desse espaço: praticando atividade física, fazendo piqueniques, consumindo do comércio que ali se instalou ou mesmo usando a área em seu trajeto de deslocamento cotidiano. É possível que muitas dessas pessoas fossem as mesmas que antes contribuíam na degradação da área ou sofriam com os problemas causados, mas hoje se sentem motivadas a cuidar desse espaço que se tornou parte de suas vidas de outra forma. Essa é uma demonstração prática de como intervenções pontuais e estratégicas têm o poder de transbordar impactos positivos para todo um entorno e motivar que as pessoas participem ativamente da vida pública.
Retomando a discussão inicial sobre unir o belo ao eficiente, pode-se dizer que esse foi o diferencial do Parque Rachel de Queiroz, que hoje coleciona prêmios como a menção honrosa do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Urbanos (ONU-Habitat) e Obra do Ano pelo Archdaily Brasil, além do sucesso principal: a melhoria da vida urbana e os benefícios diretos à vida das pessoas.
Referências: Parque Rachel de Queiroz / Architectus S/S | ArchDaily Brasil
Parque Rachel de Queiroz – Architectus S/S
Parque Rachel de Queiroz totalmente requalificado é a mais nova opção de lazer para os fortalezenses – Governo do Estado do Ceará
Parque Linear Rachel de Queiroz
Fotos: Architectus S/S
